Cultura

Quilombolas de Monte Alegre Transformam Sonhos em Filme

Quilombolas de todas as idades vão construir a história, montar o roteiro, organizar a produção e gravar o filme dentro da comunidade.

Durante o sono, o inconsciente muitas vezes se manifesta por meio de histórias, mistérios e revelações, criando uma linguagem única que transporta quem sonha para lugares distantes e desconhecidos. Inspirada nessa poderosa simbologia dos sonhos, a Comunidade Quilombola de Monte Alegre, localizada em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Espírito Santo, será palco de uma jornada audiovisual inédita. Com o apoio do Instituto Marlin Azul (IMA), a comunidade participará de um processo de criação cinematográfica transformador.

Entre os dias 20 e 23 de março, o projeto Cine Quilombola levará uma série de workshops audiovisuais gratuitos à comunidade, com a participação de quilombolas de todas as idades. Durante 20 horas de encontros, moradores de Monte Alegre e cineastas do IMA se reunirão em rodas de conversa para contar e ouvir sonhos uns dos outros. A partir dessas trocas, será decidido coletivamente como transformar essas histórias oníricas em um filme. O processo incluirá a criação do roteiro, escolha de personagens, figurinos, objetos de cena e até a definição de localizações.

A produção será filmada com câmeras de celular e equipamentos disponibilizados pelo IMA, permitindo que o projeto reflita de maneira mais autêntica o cotidiano da comunidade. O grupo percorrerá o vilarejo, registrando imagens e sons que capturam as tradições, memórias e práticas diárias dos quilombolas, além das vivências passadas e presentes. Ao final, será realizada uma sessão coletiva para assistir e discutir o material gravado, com a definição das especificações finais para a edição e montagem do filme.

O resultado será um curta-metragem de até 15 minutos que, por meio da magia do cinema, resgatará elementos de identidade, valores e formas de viver da população quilombola. A obra será exibida em diversos espaços culturais, possibilitando que a história contada pela própria comunidade chegue a um público mais amplo.

O processo de criação será guiado por uma equipe de cineastas e pesquisadores com vasta experiência no campo do audiovisual. Entre as oficineiras estão Mariana de Lima, Cintya Ferreira e Márcia Medeiros, profissionais que trarão seus conhecimentos técnicos e um olhar sensível para as particularidades culturais e identitárias da comunidade.

Márcia Medeiros, mestre em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF), tem uma trajetória consolidada na direção e edição de séries renomadas, como The Voice Kids (Rede Globo) e Vítimas Digitais (GNT). Ela também tem experiência com documentários e videoclipes, abordando temáticas sociais e culturais relevantes.

Cintya Ferreira, formada em Cinema e Audiovisual pela UFF, tem ampla experiência em montagem e edição de curtas-metragens independentes e produções jornalísticas. Ela também coordena grupos de experimentação audiovisual, aproximando jovens e educadores das práticas cinematográficas.

Já Mariana de Lima, também mestranda no PPGCine/UFF, integra movimentos como a Associação Mulheres Coralinas e o Kumã-RJ, e é dedicada à construção de imagens que dialogam com as políticas comunitárias, além de atuar no campo da educação e do audiovisual para comunidades.

O Cine Quilombola e sua trajetória

O Cine Quilombola, projeto que já existe desde 2021, busca fortalecer as comunidades quilombolas através do registro e da valorização de saberes e práticas tradicionais por meio do olhar de seus próprios moradores. O projeto utiliza o audiovisual como ferramenta de criação, preservação e invenção de memória cultural, ajudando a difundir práticas ancestrais e promovendo o empoderamento dos quilombolas.

Este projeto foi contemplado pelo edital 04/2023 de Valorização da Diversidade Cultural Capixaba, promovido pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Espírito Santo (Secult-ES) e realizado pelo Instituto Marlin Azul. O apoio também vem da Coordenação Estadual Quilombola do ES Zacimba Gaba, da Confederação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da própria Comunidade Quilombola de Monte Alegre.

A primeira edição do Cine Quilombola, em 2021, resultou na produção de documentários sobre a vida e cultura de diversas comunidades quilombolas no sul do Espírito Santo, com destaque para os filmes Do Lado de Cá (Comunidade Quilombola de Graunha), Vamos em Batalha (Comunidades Quilombolas de Cacimbinha e Boa Esperança), Era Caminho Deles (Comunidade Quilombola de Pedra Branca) e Ninguém Canta Igual Eu Canto (Comunidade Quilombola de Monte Alegre). Em 2023, o projeto se expandiu para o Cinema de Griô, que abrangeu mais comunidades e continuou promovendo o empoderamento e a valorização cultural quilombola.

Em 2024, o Cine Quilombola retornou à Comunidade Quilombola do Linharinho, onde novos curtas-metragens foram criados a partir de histórias inspiradas em sonhos, dando continuidade à missão de fortalecer os laços entre as comunidades e o cinema. O projeto se consolidou como um importante espaço de aprendizado, expressão cultural e resistência, reverberando dentro e fora das comunidades quilombolas.

A cada nova edição, o Cine Quilombola reafirma seu compromisso com a preservação da memória e identidade cultural dos quilombolas, garantindo que suas histórias sejam contadas pelos próprios protagonistas.

Leia também