Decisões Recentes Validam Laços de Cuidado e Amor, Reconhecendo a Multiparentalidade e as Novas Configurações Familiares no Brasil
Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um aumento significativo nas decisões judiciais que reconhecem a existência de múltiplos vínculos familiares, baseados no critério da afetividade. Casos como esses, que validam a importância do cuidado e do amor como elementos fundamentais na construção de uma família, têm sido registrados em diversas regiões do país, incluindo o Espírito Santo. Essas decisões reforçam a compreensão de que a estrutura familiar não se limita ao vínculo biológico, mas também ao afetivo, uma mudança importante nas concepções tradicionais de parentesco.
Em Belém (PA), um recente caso trouxe à tona o reconhecimento da multiparentalidade em uma situação de perda familiar. Após o falecimento da mãe, foi judicialmente reconhecido o vínculo materno-filial entre uma tia e sua sobrinha, permitindo que o nome da tia fosse adicionado à certidão de nascimento da criança, sem que o nome da mãe biológica fosse excluído. Assim, a Justiça consolidou a ideia de multiparentalidade materna, reconhecendo tanto o vínculo biológico quanto o afetivo.
O caso remonta a 1979, quando a mãe biológica, em razão de dificuldades financeiras e emocionais, permitiu que sua irmã assumisse a guarda da criança desde o nascimento, já que a tia não podia ter filhos. A comprovação da maternidade socioafetiva foi realizada por meio de documentos, fotos e depoimentos, comprovando a relação de afeto e cuidado entre as duas.
No Espírito Santo, um outro caso semelhante chamou a atenção. Em Vila Velha, a Justiça autorizou que uma menina de apenas 8 anos continuasse a morar com os tios, reconhecidos como pais socioafetivos, após a morte da mãe, quando ela tinha apenas três meses. A decisão judicial permitiu que, além do nome do pai biológico, os nomes dos tios fossem registrados na certidão de nascimento da criança, configurando, assim, a multiparentalidade. O tribunal determinou ainda a guarda compartilhada, reconhecendo o papel essencial dos tios na criação da criança.
Em 2025, um julgamento histórico no Espírito Santo trouxe à tona um caso inédito: a decisão judicial que permitiu que uma criança fosse registrada com três pais e uma mãe. Esse processo envolveu um casal homoafetivo de tios que assumiram a criação do menino desde os primeiros meses de vida, criando um vínculo afetivo profundo e essencial para o reconhecimento da multiparentalidade. O Tribunal entendeu que a convivência e os laços de afeto construídos ao longo dos anos justificavam o reconhecimento formal da paternidade e maternidade simultânea por quatro pessoas.
Para a advogada Bruna Pereira Aquino, especialista em Direito de Família, essas decisões são fundamentais para reafirmar o papel da afetividade no Direito. “A doutrina e a jurisprudência brasileira, atualmente, reconhecem a multiparentalidade, isto é, a possibilidade de uma pessoa ter mais de uma mãe e/ou mais de um pai em seu registro público sem a exclusão do parentesco biológico. A concomitância de vínculos biológicos e afetivos é um meio de efetivar a proteção integral de direitos constitucionais”, explica Bruna.
Ela também destaca que o Direito é uma ciência social que reflete as transformações e mudanças culturais da sociedade. “A multiparentalidade é fruto dessas alterações sociais e revela que, hoje, não é possível estabelecer um perfil único de família. O Direito deve acompanhar e reconhecer as evoluções dos modelos familiares”, conclui a advogada.
Esses casos judiciais ilustram um movimento crescente em direção à validação dos laços afetivos, que não se restringem ao sangue, mas se estendem às relações de cuidado e afeto, moldando as novas configurações familiares no Brasil. As decisões refletem uma realidade social mais inclusiva, onde o amor e a responsabilidade têm espaço legal para coexistir com a biologia, reconhecendo que o verdadeiro núcleo familiar é aquele que nutre, cuida e se dedica ao bem-estar dos filhos, independentemente das circunstâncias de seu nascimento.