Diagnósticos emocionais, planos de ação personalizados e gestão equilibrada passam a orientar empresas em um período marcado por alta pressão e redefinição de metas
À medida que o último trimestre do ano avança, o ambiente corporativo se transforma em um terreno fértil para o acúmulo de tensão. Fechamento de metas, avaliações de desempenho e contratações sazonais aumentam a carga emocional dos times e acendem o alerta para os riscos psicossociais, agora reconhecidos oficialmente como parte do gerenciamento de riscos ocupacionais pelas novas normas do Ministério do Trabalho.
Segundo dados do Ministério da Previdência Social, mais de 224 mil afastamentos por transtornos mentais e comportamentais foram registrados em 2024, número 37% superior ao de 2022. Desses, a maioria está ligada a quadros de ansiedade, depressão e síndrome de burnout, doenças frequentemente associadas à sobrecarga e à falta de pausas estruturadas. Um levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o Brasil está entre os países com maior índice de ansiedade do mundo, afetando 9,3% da população, e entre os dez primeiros em casos de depressão.
No contexto organizacional, o impacto é direto. Pesquisa global da Deloitte, divulgada em 2024, indica que 76% dos profissionais da Geração Z e 67% dos millennials consideram o bem-estar psicológico como fator decisivo na permanência no emprego. Já um estudo da PwC e do LinkedIn mostra que o Brasil lidera o ranking de rotatividade voluntária na América Latina e que fatores emocionais estão entre as principais causas de saída.
Para a psicóloga e advogada Jéssica Palin Martins, especialista em saúde mental corporativa e fundadora da plataforma IntegraMente, o fim do ano exige atenção redobrada à gestão emocional dentro das empresas. Ela explica que esse é o momento em que a pressão por resultados e o cansaço acumulado se tornam gatilhos para quadros de esgotamento e baixa produtividade. “O risco de burnout, por exemplo, não está apenas na pressão do trabalho, mas na tensão prolongada e na falta de clareza sobre limites e prioridades. Muitas pessoas chegam ao fim do ano emocionalmente exaustas por não conseguirem se desconectar ou definir metas alcançáveis”, afirma.
Diagnóstico e prevenção: o ponto de partida para um novo ciclo
Segundo Jéssica Palin, o primeiro passo para reverter esse cenário é investir em diagnósticos emocionais e em planos de ação personalizados para equipes e lideranças. “Quando a empresa mapeia fatores de risco, entende os perfis comportamentais e cria planos de desenvolvimento ajustados à realidade de cada colaborador, ela reduz significativamente o impacto emocional do fim do ano”, explica.
O processo inclui a aplicação de testes psicológicos, o mapeamento de indicadores de clima e engajamento e a devolutiva estruturada para o setor de recursos humanos e para líderes. O objetivo é garantir que metas e tarefas estejam alinhadas à capacidade real de execução, sem gerar sobrecarga. De acordo com Jéssica, a clareza no planejamento estratégico é uma das formas mais eficazes de evitar ambientes de tensão e prevenir o adoecimento emocional.
“Produtividade não tem a ver com estar ocupado o tempo todo. Ela está relacionada à organização, disciplina e autogestão. As empresas que entendem isso conseguem planejar melhor o fim do ano e entrar no novo ciclo com times mais equilibrados e saudáveis”, pontua.
O papel das lideranças na virada do ciclo corporativo
A sobrecarga de fim de ano costuma afetar também gestores e lideranças intermediárias, responsáveis por garantir entregas e, ao mesmo tempo, preservar o equilíbrio do time. Jéssica ressalta que o acompanhamento próximo é essencial. “O líder precisa ter uma rotina de acompanhamento das tarefas e manter conversas individuais frequentes. É nesse contato que ele consegue perceber sinais de desmotivação, cansaço e desorganização”, diz.
Segundo a especialista, a falta de foco e de disciplina está diretamente ligada à ausência de rituais de encerramento. “Encerrar o dia de trabalho, respeitar pausas e saber desconectar-se são práticas que reduzem a tensão acumulada e mantêm a produtividade sustentável. Lideranças que incentivam esse comportamento criam ambientes emocionalmente mais seguros e saudáveis”, pontua.
Ela reforça que o papel do líder é atuar como mediador entre as metas e o bem-estar da equipe. “Nem todo mundo acorda todos os dias no mesmo ritmo. Ter um olhar humano para essas variações faz toda diferença. Liderar não é apenas cobrar resultados, é também saber ajustar as rotas quando o time precisa respirar.”
Planejamento emocional para o próximo ano
O último trimestre é também o momento em que se consolidam avaliações de desempenho, revisões estratégicas e metas para o novo ciclo. Para Jéssica Palin, inserir o fator emocional nesse processo é indispensável. “As empresas precisam compreender que saúde mental não é um assunto paralelo. Ela faz parte do desempenho. E, agora, também faz parte da legislação”, observa.
A Portaria nº 1.419, de 2024, do Ministério do Trabalho e Emprego, determinou que fatores psicossociais sejam incluídos no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), equiparando-os aos riscos físicos, químicos e biológicos. Essa mudança marca um avanço importante na gestão corporativa, obrigando as empresas a registrar e acompanhar indicadores relacionados à saúde emocional.
Jéssica explica que esse novo contexto exige planejamento contínuo. “É preciso ter dados e evidências sobre o clima emocional da empresa. As organizações que monitoram indicadores de saúde mental, absenteísmo e engajamento têm mais clareza para planejar o próximo ciclo e evitar surpresas no desempenho coletivo”, analisa.
Segundo ela, o fim do ano é um momento estratégico para fortalecer práticas de cuidado, revisar metas e preparar lideranças para o novo ciclo. “Quando a empresa adota o diagnóstico emocional como parte da cultura, ela deixa de reagir às crises e passa a atuar de forma preventiva. Isso é gestão estratégica de pessoas.”
Jéssica conclui que o encerramento do ano não precisa ser sinônimo de esgotamento. “Com metas realistas, planejamento emocional e uma liderança capacitada, o período de maior intensidade pode se tornar uma oportunidade de fortalecimento e de construção de equipes mais conscientes e produtivas.”
Sobre Jéssica Palin
Jéssica Palin Martins é advogada, psicóloga e especialista em saúde mental no ambiente corporativo, graduada em Direito pela Universidade Paulista (UNIP) e em Psicologia pelo Centro Universitário do Norte Paulista (UNORP), mestre em Direito pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e especialista em Intervenção Familiar Sistêmica pela pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, FAMERP.
Fundadora da IntegraMente, desenvolveu uma metodologia que combina testes psicológicos validados com planos de ação estratégicos para lideranças e RHs. Sua atuação tem como foco no gerenciamento de riscos ocupacionais deve abranger os riscos que decorrem dos agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho.
Seu trabalho ganhou relevância especialmente após a publicação da Lei 14.831/2024, que instituiu o Certificado de Empresa Promotora da Saúde Mental. A norma, já aprovada e aguardando regulamentação, estabelece critérios claros para a promoção da saúde emocional no trabalho.
Paralelamente, a Portaria nº 1.419 do Ministério do Trabalho e Emprego, publicada em 27 de agosto de 2024 (DOU de 28 28/08/2024 – Seção 1), que aprova a nova redação do capítulo “1.5 Gerenciamento de Riscos Ocupacionais” e altera o “Anexo I – Termos e definições” da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) que incluiu oficialmente os fatores psicossociais como riscos ocupacionais, reforçando a necessidade de estratégias corporativas de prevenção.