Superação e esperança por meio da prática do esporte. O Centro de Referência para Pessoa em Situação de Rua de Vitória (Centro Pop), está usando o jiu-jitsu como uma forma pela qual os usuários do espaço alcancem autonomia e a superação da condição de rua. Nas oficinas, eles conhecem os desafios e dificuldades para conquistarem as recompensas reservadas àqueles que seguem firmes os ensinamentos. É assim, no jiu-jitsu e na vida.
Segundo o educador social Marciano Sousa, faixa preta na arte marcial, a prática esportiva dentro do Centro Pop tem um objetivo muito maior, vai além do condicionamento físico, desenvolvimento de habilidades motoras e controle de força.
“O jiu jitsu trabalha com metas e objetivos. Alcançar uma nova graduação (troca de faixa) é um degrau superado. Vai se avançando, quando se percebe a evolução no comportamento, no respeito, na disciplina. A gente vai estabelecendo metas e estratégias para alcançar para reestabelecer enquanto sujeitos que desejam chegar a um determinado objetivo”, comentou Marciano.
Para ele, no tatame os acolhidos estão aprendendo lições a serem levadas para a vida. “Fortalecimento físico e mental, autoconfiança, respeito, disciplina, proteção pessoal, habilidades sociais e reestabelecimento de vínculos familiares”, listou Marciano, acrescentando que “estamos trabalhando para faze-los entender que a felicidade é um processo”.
Um processo que Karolina de Paula Martins, de 46 anos, decidiu encarar e vem encontrando nas oficinas de jiu-jitsu. Em situação de rua há quase 15 anos e, há cinco meses frequentado a oficina no Centro Pop, Karolina disse que que com as aulas sente a mente ficar mais tranquila.
“Acredito que 75% da minha vida está consertada. Dei o primeiro passo de sair da rua. Estou nessa situação, mas não foi isso que sonhei. Hoje, sei que sou importante. Decidi ser eu e que vou vencer”, comentou ela.
Neste momento, foi a hora de falar dos sonhos. “Quero ser uma halterofilista”, disse ela. Antes que gerasse qualquer reação de espanto, Karolina revelou que é prima de um grande lutador e, até o início da adolescência, tinha uma vida de atleta. “No tatame sinto voltando as minhas raízes, voltando no tempo”, falou emocionada.
“Vim de uma família de classe média alta, meu pai era empresário do ramo de bares e restaurantes, frequentei escolas particulares, tenho uma estrutura boa”, contou ela. Imediatamente, Karolina fez questão de relatar um dos motivos que a levaram a condição de pessoa em situação de rua. “Um dia, mandaram eu escolher e fiz a escolha errada. Mas, fiz porque nesse meio todo mundo é igual. Eu vivia cercada de preconceito, sofri racismo, sofri discriminação, não era aceita. Nas ruas não existe diferença de cor e, foi onde me senti acolhida”, contou ela.
Karolina complementou a resposta sendo direta: “A rua me ensinou uma coisa boa. Aprendi que viver na rua não presta. Sou nova, mas não posso viver dando errado. Com a vida que levei meu tempo de vida útil vai ser menor. Sofri muita violência. Hoje, não aceito mais nenhum tipo de violência”, afirmou ela.
Para a colega de Centro Pop e de tatame, Fabiana Oliveira da Silva, de 34 anos, a prática do jiu-jitsu traz bem-estar, afasta o pensamento das drogas e a fortalece. Há um ano em situação de rua, ela disse acreditar que encontrou no esporte o caminho para a superação.
Mãe de oito filhos, que atualmente, vivem sob os cuidados do pai e de outros parentes, Fabiana disse que o esporte é o seu caminho para vencer e mostrar que é capaz. “Quero mostrar para os meus filhos, quero dar orgulho para eles. É uma estratégia para sair da drogadição. Não preciso e nem quero mais”, falou.
Para a coordenadora local do Centro Pop de Vitória, Danielle Solano Pires, o jiu-jitsu transcende a simples prática de exercícios físicos; é também uma ferramenta crucial para desenvolver foco, disciplina e reduzir danos para pessoas em situação de rua. Além disso, promove a profissionalização e valorização do esporte como uma fonte de renda para superar essa condição. “Presenciar o progresso dos nossos usuários e usuárias por meio do esporte é uma vitória não apenas para eles, mas para toda a equipe do Centro Pop”, destacou ela.
A secretaria de Assistência Social de Vitória, Cintya Schulz, comentou que trabalho da Semas pelo diálogo e por criar estratégias que façam sentido para as pessoas em situação de rua deixarem essa condição. “O esporte é com certeza importante para todos e representa uma possibilidade de superação da condição de rua. Parabenizo a equipe pela sensibilidade e olhar atento para as pessoas, esse olhar muda trajetórias de vida”, enfatizou ela.