“O mundo desenvolvido se fez pela indústria. Não industrializar o Brasil é um grande erro.” A colocação foi feita pelo diretor de Desenvolvimento Industrial e Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Lucchesi. Ela faz referência à oportunidade que o Espírito Santo e o Brasil têm diante da Nova Política Industrial, a Nova Indústria Brasil (NIB), lançada no final de janeiro, que abre novas possibilidades para a neoindustrialização nacional.
O economista, que também preside o Conselho de Administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), veio ao Estado para participar de uma reunião do Conselho Estratégico da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) – grupo formado pelas maiores empresas instaladas no Estado.
A agenda aconteceu na última quinta-feira (14/03), na sede da entidade, e contou com a participação da presidente da Findes, Cris Samorini; do presidente emérito da Findes, vice-presidente da CNI e presidente do Conselho de Política Industrial (Copin), Léo de Castro; do 1º vice-presidente da Federação, Paulo Baraona; e de executivos e empresários de grandes companhias do Espírito Santo.
Durante sua apresentação, Lucchesi lembrou que, há 40 anos, o Brasil era o país que mais crescia no mundo, impulsionado pela indústria. “A urbanização foi industrial. O país que conhecemos foi feito pela indústria e o nosso empobrecimento foi quando abandonamos ela”, afirmou.
Indústria capixaba de olho na Nova Indústria Brasil
O Espírito Santo atualmente é o segundo estado mais industrializado do país e conta com quase 16,2 mil indústrias instaladas. O segmento industrial foi o que mais cresceu em 2023 (9,1%, de acordo com o IAE-Findes) e deve ser o impulsionar da economia capixaba em 2024, com projeção de 4,5% de expansão para o ES e de 7,5% para a indústria.
Os dados são um importante indicativo da capacidade que o Espírito Santo tem de gerar novos negócios e ainda mostram que as Missões da Nova Indústria Brasil podem contribuir com o desenvolvimento socioeconômico do Estado, como aponta a presidente da Findes, Cris Samorini:
“A NIB traz para o Espírito Santo uma nova possiblidade de crescimento socioeconômico sustentável. Estamos trazendo-a para dentro da Findes e acompanhando todos os ajustes e detalhamentos. Também vamos, por meio de informações técnicas do Observatório da Indústria, antecipar os desafios e as oportunidades que essa política traz para o desenvolvimento industrial do ES. Nós, enquanto Federação, podemos ainda ajudar ao governo do Estado a trazer essa indústria de tecnologia de ponta que as missões da NIB propõem, que ampara a indústria tradicional e que projeta essa mudança importante”, comentou.
Para Léo de Castro, é preciso, mais do que nunca, mostrar para sociedade a relevância da indústria para o país e valorizar o seu papel enquanto mecanismo de transformação social. “Queremos uma política industrial que consiga ser uma agenda de Estado e não uma política de governo. Essa é uma oportunidade que temos agora. A NIB pode ser uma agenda do governo atual, mas política industrial não se faz em três anos, ela leva tempo. Este precisa ser um projeto de décadas.”
Ponto a ponto
Confira os principais pontos abordados pelo diretor de Desenvolvimento Industrial e Economia da CNI e presidente do Conselho de Administração do BNDES, Rafael Lucchesi, sobre a Nova Política Industrial.
Agenda industrial
- A agenda empresarial da indústria brasileira precisa romper com o fracasso.
- Se nós pegarmos os últimos 40 anos o crescimento econômico brasileiro foi muito pequeno. Esse período foi exatamente quando o Brasil abdicou de conduzir o crescimento brasileiro pelo desenvolvimento industrial, como havia sido o que o Brasil tinha feito nos 40 anos anteriores.
- Temos dois ciclos [recentes] de 40 anos muito distintos. De um lado, você tem um Brasil que liderou o crescimento mundial. De outro, um Brasil que está entre os piores desenvolvimentos entre as grandes nações – onde nós tivemos uma desindustrialização precoce, muito desemprego, desalento, empobrecimento e perda de complexidade produtiva. Não está bom para indústria e está muito pior para o país.
Ciclos econômicos e indústria brasileira
- O Brasil “quebrou” na década de 1980 e a indústria foi quem “salvou” o país aumentando a sua exportação.
- Em 1980 a produção industrial brasileira era maior do que a da China e da Coreia Sul somadas. Então pense o quanto a gente [o país] errou. Estávamos prontos para fazer o catch-up, ou seja, dar o grande salto.
- Mais recentemente tivemos o ciclo de expansão das commodities. Ele pegou “carona” numa sincronicidade de desenvolvimento dos EUA e da China. Tivemos uma enorme expansão do ciclo dessas matérias-primas.
- O Brasil tinha [no início dos anos 2000] uma presença razoável [no mercado mundial], ainda que não tivesse o avanço que poderia ter tido, enquanto isso, outros países se projetaram.
- Hoje a produção industrial chinesa é 25 vezes maior do que a brasileira e maior do que a americana e a europeia somadas. O ocidente perdeu nos últimos 40 anos com as ideias em torno do Consenso de Washington [realizado em 1989].
Política de Estado
- A questão que se coloca é que para repensar o Brasil tem que ser com inteligência. Tem que ter habilidade em como conduzir isso. Mas se quisermos mudar o Brasil, temos que ter uma agenda permanente.
- A indústria é 26% do PIB nacional. Ela recolhe 37% dos tributos, o dobro da média dos países emergentes. A indústria brasileira é sobreonerada. Representa 70% das exportações, 75% nos gastos em pesquisa e desenvolvimento, 25% da contribuição previdenciária, 10,5 milhões de empregos, paga os maiores salários (30% a mais nos níveis mais baixos e 50% no nível superior).
- No mundo inteiro os principais países apoiam o desenvolvimento industrial. Nos Estados Unidos são mais de US$ 1,9 trilhão para o desenvolvimento industrial em 10 anos. Na Europa é US$ 1,7 trilhão, na Inglaterra US$ 1,6 trilhão e no Japão US$ 1,6 trilhão. Todo o mundo está investindo na indústria.
Desindustrialização do Brasil
- Temos que intensificar as cadeias agroindustriais sustentáveis. O Brasil estava indo no caminho inverso não investindo em indústrias que são fundamentais para o segmento.
- Um dos aprendizados que tivemos na pandemia foi que é importante para a soberania nacional ter: segurança alimentar, segurança militar e segurança na área de saúde. Essas são três coisas importantes em uma agenda de geopolítica.
- Se você saísse do Brasil, no início dos anos 1970, e fosse para Nova York, Paris, Londres, as cidades brasileiras estavam muito bem frente a esses países. O Brasil era o país que mais crescia, impulsionado pela indústria. A urbanização foi industrial. O país que conhecemos foi feito pela indústria e o nosso empobrecimento foi quando abandonamos a indústria. Só que a gente parou no tempo. As cidades brasileiras estão envelhecidas.
- O Brasil é um dos países mais urbanos do planeta, 84% das pessoas moram em cidades, segundo dados do IBGE.
Reindustrialização do Brasil
- A defesa da retomada da industrialização não é só uma defesa do Brasil se modernizar criar um círculo virtuoso do desenvolvimento. A desindustrialização brasileira vai significar uma fragmentação social e territorial.
- A parte toda de transformação da indústria é onde podemos “pegar o elevador”. O Brasil pode ser a Arábia Saudita da energia verde, da energia de biomassa, do hidrogênio verde, da energia sustentável, barata, segura, e em larga escala.
- Não temos que pensar nisso [energias verdes] como uma nova soja, uma commodity. Temos que pensar como uma agenda de descarbonização produtiva. Pensar no cimento verde, no aço verde. Em todo o pacote tecnológico para gerar isso. Toda a agenda de defesa do Brasil. O país já foi o 8º maior complexo militar e abdicamos dessa posição.
- O mundo desenvolvido se fez pela indústria. Não industrializar o Brasil é um grande erro.
- Nós jogamos “N” oportunidades históricas fora. [A partir da década de 1980] o país gastou dinheiro em consumo e não em investimento para industrializar o país. Perdemos um elevador de rápido crescimento industrial para o Brasil. Tínhamos que usar essas “reservas cambiais”, como se usava na época o termo, para importar máquinas e equipamentos e impulsionar a industrialização brasileira.
- A reindustrialização vai ter que vir daqui [do Brasil]. A gente vai ter que trazer um pensamento inovador, um pensamento sem sotaque. O Brasil nos últimos 40 anos ele foi dominado por um pensamento com sotaque. Sotaque que nos levou ao atraso. Então, temos que pensar de acordo com a nossa realidade.
- Temos que ter um projeto de país e ele passa por termos um projeto de desenvolvimento industrial.
Nova Indústria Brasil (NIB)
- O NIB tem zero de impacto fiscal. Suas seis missões são as áreas estratégicas para impulsionar o Brasil.
- A lógica é pegar encomendas públicas, encomendas tecnológicas, uso do poder do Estado, regulação e sentar o governo com o setor empresarial e construir essa política pública.
- O que a economista italiana Mariana Mazzucato diz é o seguinte: o Estado ajuda muito o desenvolvimento empresarial privado, ele é um acelerador, um impulsionador, sobretudo se trabalhar no conceito de missões para que aquilo que aconteceria no mercado, aconteça mais rápido.
- Os países ricos fazem isso desde sempre. Não tem uma atividade ou uma empresa que seja líder no mundo e competitiva que não tenha a “mão” do Estado.
- O Brasil tinha uma legislação velha, Rota 2030, que aumentava o ciclo de vida do carro velho com motor a combustão interno. A ideia é pegar esse mesmo dinheiro e direcionar ele para o futuro: o “Mover” que é “Mobilidade Verde”. O governo já colocou R$ 17 bilhões em cinco anos e já mobilizou R$ 117 bilhões de investimentos das empresas automotivas brasileiras, que não estavam investindo nada.
Brasil Mais Produtivo
- O Brasil tem um grave problema na estrutura industrial que é a baixa produtividade. Então, o Brasil Mais Produtivo vai ser um salto. Esse é um componente microeconômico que vai ser muito capilar e atingir diferentes segmentos.
- As empresas vão ter um enorme retorno. O tempo médio de retorno é de 28 dias. Elas terão mentoria na agenda da quarta revolução industrial.
- No Brasil Mais Produtivo serão 93 mil empresas [no Brasil], sendo 30 mil indústrias que o Senai vai atuar diretamente. O ganho médio de produtividade delas será de 50%.
- O BNDES está retomando uma agenda pró-indústria. E, que bom que temos uma indústria que, com a Confederação (CNI) e as Federações, faz esse trabalho de trazer um pouco mais de igualdade em favor dos pequenos. Vamos usar todas as nossas redes para divulgar ao máximo para todos os empresários terem informação.