Apesar das manchetes recentes destacarem que o Espírito Santo terá mais um ano sem aumento do imposto sobre heranças, o cenário é bem mais complexo. O advogado Dr. Lucas Judice, especialista em ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), explica que o impacto para os contribuintes não está apenas na alíquota — mas, principalmente, na base de cálculo do imposto, que deve mudar a partir de 2026.
O governo estadual decidiu postergar o envio do projeto de lei para Assembleia Legislativa sobre o aumento da alíquota do ITCMD — atualmente em 4% — no início de 2026, o que, em teoria, garantiria mais um ano para quem pretende realizar doações ou planejamentos sucessórios.
Porém, segundo Dr. Lucas, essa leitura não reflete todas as mudanças que já estão em curso no país e que afetarão diretamente os contribuintes capixabas – já em 2026.
“O Estado fala em 2027 porque, quando aprovar uma nova lei estadual de aumento da alíquota, ela só poderá produzir efeitos no ano seguinte. Mas essa não é a única alteração em discussão. O Senado Federal aprovou em Setembro de 2025 o PLP 108/24, uma modificação que majora a base de cálculo em doações de cotas sociais, levando a um aumento de 20 a 30 vezes na maioria dos casos”.
Segundo ele, o governo estadual indica aguardar a conclusão da tramitação do PLP 108/2024, aprovado no Congresso Nacional em setembro de 2025, antes de editar sua própria lei — para evitar o risco de criar uma norma que já nasça em desacordo com a lei federal.
No entanto, essa estratégia é uma faca de dois gumes. De acordo com o especialista, a lei estadual é atualmente inexistente na definição de alíquota, o que gera a nulidade das cobranças realizadas a partir de 2024 e até que a nova lei seja editada.
Por que a lei estadual não é mais válida
A Constituição Federal, alterada em dezembro de 2023, passou a exigir que os estados adotem alíquotas progressivas para o ITCMD — ou seja, percentuais que variam conforme o valor da herança ou doação.
O Espírito Santo, no entanto, manteve uma alíquota fixa de 4%, o que torna a legislação atual incompatível com a norma geral e, portanto, nula.
“Enquanto o Estado não fizer essa adequação, a lei é considerada inexistente do ponto de vista constitucional. E, sendo inexistente, o Estado não pode cobrar o imposto”, esclarece o advogado.
Mas até que essa nova legislação seja aprovada, a lei atual está incompatível com a Constituição — e, portanto, não pode produzir efeitos”, explica o especialista.
O que muda com o PLP 108/2024
O PLP 108/2024, já aprovado pela Câmara e pelo Senado, altera a regra geral da base de cálculo do ITCMD, o que representa o principal impacto a partir de 2026.
Hoje, no caso de cotas sociais ou participações em empresas, é comum que a tributação do ITCMD quando da doação de cotas seja feita sobre o valor histórico de aquisição dos bens que compõem aquela empresa.
Com a nova regra, o cálculo passará a considerar o valor de mercado, obrigando a reavaliação dos bens transmitidos ou doados.
Na prática, isso pode elevar substancialmente o valor do imposto em transmissões envolvendo empresas familiares, holdings patrimoniais ou reorganizações societárias. E essa regra, a pior das mudanças, já valerá a partir de 2026, pendente apenas a sanção presidencial.
O Estado tem consciência de que precisa atualizar sua legislação para se adequar à Constituição. Porém, segundo o especialista Lucas Judice, o Estado aguarda a versão final do PLP 108/2024 para não correr o risco de votar uma lei que se torne incompatível logo em seguida.
“Se o Estado aprovar uma lei agora e, depois, a lei federal mudar a regra geral, a lei estadual recém-aprovada se tornará inválida. Por isso, o governo estadual prefere esperar a definição do texto federal antes de agir”, explica o advogado.
Por outro lado, assume o risco das ações de nulidade quanto às cobranças em curso.
Além disso, quando uma nova lei cria ou aumenta tributos, ela só pode entrar em vigor no ano seguinte à sua publicação — o que explica por que o aumento de alíquota, mesmo que votado em 2026, só poderia valer a partir de 2027.
O advogado e outros especialistas alertam que aumentar a alíquota de forma abrupta, como pretende o governo estadual (de 4% para até 8%), pode gerar fuga de patrimônio para outros estados e incentivar a antecipação de transmissões.
O deputado Mazinho, em artigo publicado na Gazeta, defendeu um modelo mais moderado, com progressividade entre 2% e 4%, em vez da faixa de 2% a 8% desejada pela Secretaria de Fazenda Estadual.
Além disso, o Dr. Lucas lembra que o Brasil já teve 23 aumentos de impostos em 2025, e subir mais um tributo, especialmente sobre heranças e doações, reforça um cenário de insegurança tributária.