Já faz ao menos uma década que muitos estudos apontavam que viveríamos um gap de talentos no mercado, não pela extinção de postos de trabalho que seriam substituídos pela tecnologia, mas pela falta de profissionais com as habilidades e competências necessárias para atuar em um modelo de trabalho fortemente pautado pelas tecnologias digitais.
Um levantamento realizado pela Gi Group Holding, multinacional italiana de serviços integrados de recursos humanos e terceirização de serviços gerenciados, revelou que a Indústria 4.0 já vem enfrentando essa lacuna nas contratações, com impactos diretos na geração de resultados e sustentabilidade da estratégia das empresas. De acordo com o levantamento da multinacional, 88% das empresas brasileiras do setor consultadas relatam ter dificuldades de encontrar trabalhadores qualificados, índice superior à média global, que ficou em 66%. Os dados são do relatório Tendências Globais de RH no setor de Manufatura – 2023.
De acordo com Renato Soares, diretor da Tack TMI, divisão de treinamento e desenvolvimento da holding, a velocidade das mudanças que estão acontecendo em diversos segmentos, que no caso da Manufatura são refletidos nesse modelo de indústria 4.0, é maior do que o tempo de reação da sociedade para uma ação efetiva na formação de profissionais preparados a essas novas exigências.
Isso ocorre porque a dimensão da mudança das competências e habilidades exigidas dos profissionais não se refere somente a conhecimentos técnicos em tecnologias digitais, por exemplo. Acontece também porque essas transformações estão exigindo abordagens diferentes de trabalho, novos modelos mentais. “Hoje, temos entregado treinamentos para lideranças que falam sobre Mindset Digital, tomando decisões baseadas em dados, e outros conteúdos que indicam que a natureza do trabalho de muitas funções está em transformação”, destaca o executivo.
E o que o empresário pode fazer para reter profissionais e prepará-los para exercer uma função?
Esse cenário traz uma complexidade de soluções. “Pensando naquilo que está ao alcance das organizações para se fazer de forma mais imediata, realizar a integração das informações de uma consistente abordagem de gestão de talentos que ajude a identificar claramente características dos indivíduos que aceleram sua capacidade de aprendizado e adaptação, vinculados a um mapeamento de habilidades e competências críticas que permitam a construção de programa de treinamento tanto de soft skills quanto de hard skills, acabam sendo as ações mais efetivas para gerir os riscos de uma ausência de profissionais qualificados que impactam diretamente a geração de resultados”, afirma.
Para Soares, a pesquisa reforça que, apesar de diferentes habilidades, as exigências tanto para nível operacional quanto para gestão refletem essas transformações.
“Nossa pesquisa sobre tendências de RH para Manufatura mostra que, enquanto profissionais de níveis operacionais estão demandado em conhecimentos técnicos especializados em máquinas e ferramentas com alto nível de tecnologia integrada, além de digital skills e conhecimento sobre tecnologia de fábricas inteligentes; para os níveis de gestão, capacidade analítica, capacidade de gerenciar projetos além de habilidades digitais são exemplos de habilidades mais demandadas”.
Ele lembra que o fato de termos amplo acesso à informação e conhecimento não garante que as pessoas “automaticamente” conseguirão se preparar para esses desafios. “O volume de informações que temos acesso hoje traz o desafio de saber identificar quais são relevantes para o desenvolvimento profissional. É importante que ajudemos as pessoas a pensar em suas carreiras, em suas necessidades e ajudá-las a encontrar formas de selecionar aqueles conhecimentos mais críticos para si mesmos e para as empresas nas quais trabalham. Programas consistentes de gestão de talentos devem ajudar seus potenciais a encontrar caminhos para se pensar as melhores trilhas para formação. Ajudar não significa tutorar, dizer o que as pessoas precisam fazer como “receitas de bolo”, mas precisam trazer dados sobre tendências, estratégia do negócio, desafios e ajudar a detalhar como essas variáveis impactam no conjunto de habilidades e competências exigidos”, ressalta Soares.
Decisões de carreira
Rubens Prata, diretor da Stato Intoo, divisão da Gi Group Holding, especializada em outplacement e transição de carreira no Brasil, explica que um ingrediente adicional na retenção e desenvolvimento dos times está associado ao ambiente e clima organizacional, o que, em geral, se traduz através das lideranças e suas atitudes.
No pós-pandemia, a busca pelo ambiente organizacional saudável e promotor de bem-estar é um dos indicadores que mais justificam o turnover, dificultando ainda mais o objetivo de atrair, reter e desenvolver na quantidade e qualidade necessária para os desafios do futuro. Soma-se a isto a flexibilidade entre trabalho remoto e presencial, e outros atributos que compõem o conjunto que determina onde as pessoas querem passar a maior parte de suas vidas.
“Temos uma mudança profunda acontecendo onde notamos que mais pessoas passaram a fazer escolhas que tenham maior conexão com seus valores pessoais, especialmente as novas gerações. As questões relacionadas à qualidade de vida também interferem nas escolhas, especialmente quando falamos sobre ambientes insalubres, com uma competição exagerada entre os profissionais”, ressalta o diretor da Stato Intoo.
Num último cenário e não menos importante, estão os problemas com liderança.
Casos de assédio moral, falta de feedback, jornadas inflexíveis, poucas oportunidades de desenvolvimento e falta de perspectiva de carreira podem levar os profissionais a desistirem de suas posições, ainda que não tenham outra oportunidade em mãos.
Empresas que respeitam os profissionais e suas complexidades, com oportunidades reais de desenvolvimento e carreira, além de um ambiente mais flexível, respeitoso e inclusivo são fatores determinantes para alavancar um estabelecimento como bom para o ambiente profissional.
Somos seres integrais! Cada dia mais os profissionais apostam em ambientes que eles possam ser quem são, e oferecer seu conhecimento com liberdade de horário, por exemplo, e recebendo em troca mais do que exclusivamente salário.