O crescimento dos chamados “veículos elétricos individuais” é uma realidade nas cidades brasileiras — e Vitória não é exceção. Estima-se que já circulam cerca de nove mil autopropelidos na região metropolitana, ocupando calçadas, ciclovias e ruas, muitas vezes como se fossem bicicletas comuns. No entanto, de acordo com o Conselho Nacional de Trânsito (Contran), uma bicicleta elétrica não pode ter acelerador. Quando possui esse dispositivo, mesmo com pedais, o veículo é classificado como equipamento de mobilidade individual autopropelido — ou, como define o arquiteto e urbanista Murillo Paoli, “uma espécie de moto elétrica disfarçada de bicicleta”.

De acordo com Murillo, os dados mostram o tamanho da transformação. Em 2016, o Brasil tinha pouco mais de sete mil bicicletas elétricas. Em 2025, já são cerca de 300 mil veículos elétricos em circulação, segundo dados da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) — e grande parte deles são justamente os autopropelidos, erroneamente chamados de “bikes elétricas”.
“O problema não está no veículo em si, mas na forma como a cidade ainda não se preparou para recebê-lo. Continuamos repetindo o erro de sempre: dar mais espaço ao motor e menos às pessoas”, afirma Paoli.
Apesar do aumento expressivo desses veículos, a infraestrutura urbana segue praticamente a mesma — pensada para os carros. As ciclovias ainda são desconectadas, muitas calçadas estão degradadas ou reduzidas, e a disputa por espaço tem gerado um novo tipo de trânsito: motorizado, veloz e desorganizado.
“Em Vitória, deveríamos estar cumprindo o que o próprio Plano Diretor prevê: incentivar o transporte público e o não motorizado, garantindo acessibilidade e priorizando deslocamentos a pé ou de bicicleta. Mas o que vemos é o contrário — mais vagas para carros e menos espaço para pedestres e ciclistas”, ressalta o arquiteto.
Recentemente, a Câmara Municipal de Vitória aprovou uma lei que estabelece uso obrigatório de capacete, limite de velocidade e registro para motos elétricas e autopropelidos. Mas, segundo Murillo, sem fiscalização, a norma se torna apenas um lembrete do que deveria funcionar.
“Esses veículos têm ganhado popularidade, mas também trazem riscos. Muitos atingem velocidades próximas às de uma motocicleta, e em várias situações são conduzidos por menores de idade. Isso é uma bomba-relógio no trânsito urbano”, alerta.
Murillo também chama atenção para o impacto simbólico do fenômeno. Segundo ele, a imagem positiva da bicicleta — associada à sustentabilidade, à saúde e ao convívio — está sendo confundida com um modal que não compartilha os mesmos princípios. “Um carro elétrico da BYD não deixa de ser carro só por ser elétrico. Da mesma forma, um autopropelido não é bicicleta só porque tem pedal”, ressalta.
Enquanto continuarmos chamando esses veículos de ‘bikes elétricas’, estaremos mascarando um problema maior: o da perda do espaço público para formas de mobilidade individualistas e motorizadas”, pontua.
Para o arquiteto, o caminho está na educação, fiscalização e planejamento urbano. Ele defende calçadas seguras, ciclovias conectadas e políticas que incentivem a mobilidade ativa, aquela que depende das pessoas, não dos motores.
“Precisamos pensar cidades para as pessoas — não para as máquinas. Os novos veículos elétricos podem coexistir, sim, mas dentro de um planejamento que respeite o espaço coletivo e garanta segurança para todos”, conclui.
 
 

 
  
  
 