A Lei 14.973/24 traz uma novidade ao permitir a transação de dívidas de natureza não tributária entre contribuintes e autarquias ou fundações públicas federais. A princípio, essa medida parece ser uma oportunidade para que empresas e cidadãos regularizem suas pendências com essas entidades, mas há diversos pontos que precisam ser questionados, especialmente quanto à eficácia e à equidade dessa proposta.
Em teoria, a transação de dívidas oferece uma alternativa interessante para regularização de passivos, permitindo que devedores negociem condições mais favoráveis de pagamento. No entanto, ao observar os detalhes dessa medida, surgem preocupações sobre a sua real aplicabilidade e sobre quem realmente se beneficiará dessas condições. As condições impostas para a transação são rigorosas e incluem compromissos adicionais por parte dos devedores, o que pode dificultar a adesão, especialmente para aqueles em situações financeiras mais frágeis.
O problema central está no fato de que as autarquias e fundações públicas foram, em muitos casos, mal geridas nos últimos anos, acumulando um passivo expressivo que agora recai sobre o contribuinte. A medida permite que essas entidades negociem suas dívidas, mas não prevê qualquer contrapartida em termos de melhor gestão ou prestação de serviços ao cidadão. Na prática, os devedores terão que arcar com as consequências de uma má gestão pública, sem que haja garantias de que o problema será resolvido de forma eficiente ou transparente.
Além disso, as autarquias e fundações possuem características e necessidades distintas, o que torna a padronização das condições de transação um desafio. Enquanto algumas dessas entidades podem ser mais flexíveis em suas negociações, outras podem adotar uma postura mais rígida, dificultando a regularização por parte dos contribuintes. A falta de uniformidade pode gerar uma situação de desigualdade, onde apenas alguns devedores conseguem condições favoráveis, enquanto outros, especialmente os de menor porte, são penalizados pela falta de flexibilidade.
Outro ponto crítico é que a medida parece ter sido desenhada mais para resolver o problema de caixa das autarquias e fundações públicas do que para realmente beneficiar o contribuinte. Em vez de propor reformas que garantam uma melhor gestão e transparência dessas entidades, o governo opta por uma solução paliativa, que visa apenas arrecadar mais recursos em curto prazo. Isso reforça a ideia de que o contribuinte está sendo utilizado como uma fonte fácil de receita para tapar buracos gerados por ineficiências administrativas.
Além disso, a transação de dívidas com autarquias e fundações pode criar um cenário de dependência financeira, onde essas entidades continuarão a depender da negociação de suas dívidas para equilibrar suas contas. Sem uma reforma estrutural que promova maior responsabilidade fiscal e eficiência na gestão, o problema das dívidas não será resolvido de forma sustentável, e os contribuintes continuarão a ser pressionados por novas transações e renegociações no futuro.
Em conclusão, a transação de dívidas com autarquias e fundações públicas, embora seja uma medida interessante do ponto de vista da arrecadação, apresenta desafios significativos em termos de sua aplicação prática e de equidade. Sem uma reforma mais ampla nas entidades envolvidas e uma maior flexibilidade nas condições de negociação, essa medida corre o risco de se tornar apenas mais uma solução temporária para problemas que exigem uma abordagem mais estrutural.
Sandro Ronaldo Rizzato é advogado e sócio da PRL Advogados