Há não muito tempo, li sobre uma séria reforma legislativa discutida no Reino Unido. A dita reforma, em resumo, prevê pena de prisão perpétua para ciclistas que, conduzindo perigosamente, venham a causar a morte de alguém.
A mudança legislativa, assim, passa a pena máxima de dois anos de prisão para a perda da liberdade pelo resto da vida. Qual a origem desta mudança? A comoção causada pela morte de Kim Briggs, atropelada e morta por um ciclista que conduzia sua bicicleta em velocidade incompatível com o local.
Segundo constatou o Departamento de Transportes daquele país, a cada mês dez pedestres sofrem ferimentos graves, daqueles que podem ser fatais, por conta de atropelamentos tais.
Por conta deste quadro, crianças já não podem pedalar a caminho das escolas sem que suas bicicletas estejam identificadas através de placas devidamente registradas. Já começou, naquele país, a instalação de radares próprios para detectar bicicletas em alta velocidade.
Tradução: por conta dos excessos de alguns, começa a ser sonegado à maioria o prazer simples de um passeio de bicicleta – virou algo atrelado a licenças etc.
Agora, levante-se. Vá percorrer alguma ciclovia construída nos calçadões destinados ao lazer de nossos semelhantes – dentre eles, crianças e idosos. Outrora locais de passeios tranquilos a bordo de bicicletas, se transformaram em pistas de alta velocidade para alguns impetuosos. Já os vi passando a centímetros de carrinhos de bebê. Causando a queda de um idoso – quebrando-lhe o braço – e fugindo. Enfim, cada um de nós terá um testemunho a dar.
Seja símbolo deste quadro um senhor, 60 anos de idade, casado e pai de dois filhos. Passeava sossegado por um calçadão quando veio a ser atropelado por um intrépido condutor de dada engenhoca. Não resistindo aos ferimentos provocados pelo acidente, faleceu poucos dias depois. E o atropelador? Ora, o atropelador…
O resultado desta imprudência generalizada são leis como as do Reino Unido. No Brasil, como não existe a possibilidade legal de se impor pena de prisão perpétua, ficaremos longe dela. Decerto haverá um maior rigor do “mundo das leis” em seguida a algum episódio que cause maior comoção, mas não chegaremos a tal extremo. Restará, porém, uma outra bastante pior: aquela que acompanha a alma. E esta é perpétua.
Pedro Valls Feu Rosa é jornalista, escritor e desembargador no Espírito Santo