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ARTIGO – A mudança da cultura do assédio a mulheres para uma conduta de respeito nas empresas

O ano era 1917. Um grupo de mulheres tecelãs da cidade de Petrogrado (hoje São Petesburgo), na Rússia, saiu de fábrica em fábrica convocando operárias e operários a aderirem à greve, por melhores condições de trabalho. Aquelas mulheres trabalhavam em turnos exaustivos de até 14 horas por dia, em condições de higiene precárias e insalubres. A grande paralisação das fábricas foi no dia 8 de março, que se tornou um marco da luta feminina. O movimento das mulheres também contestava ações do Czar Nicolau II e ajudou acelerar a saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial.

Nós, mulheres, devemos muito a essas corajosas operárias que abriram caminho para as nossas conquistas, ao longo do século XX e início do século XXI.

Hoje no Brasil, por exemplo, temos a proteção da Lei 14.257, de 2022, que determina que as empresas devem adotar medidas de prevenção e combate ao assédio e outras formas de violência. A legislação protege mulheres e homens que antes não tinham vez e voz contra eventuais abusos no ambiente de trabalho, sendo o assédio moral o mais comum entre eles.

A Lei foi um divisor de águas na mudança da cultura das organizações. Ela exige que as empresas fixem procedimentos para recebimento de denúncias e, quando for caso, apliquem sanções administrativas aos responsáveis diretos e indiretos pelos atos. Também é obrigatória a realização de ações de capacitação, orientação e sensibilização sobre o tema junto aos empregados, e a conhecida Cipa agora é Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio, com a inclusão de temas referentes à prevenção e combate ao assédio e a outras formas de violência. Sou uma defensora da causa há muitos anos, percorrendo empresas para falar sobre o assunto.

A experiência me permite dizer, sem qualquer dúvida: a Lei foi um passo decisivo e mudou a cultura do desrespeito que reinava nos ambientes de trabalho. Além de proteger os colaboradores, a legislação incentivou a denúncia de casos e permitiu o nascimento de uma cultura de saúde organizacional, que não só garante e aumenta a produtividade, mas evita processos judiciais.

Um colaborador vítima de violência e adoecido tem uma queda natural em seu rendimento no trabalho, além de permanecer períodos longos ausentes, por exemplo, por licença médica. Não são raros os casos de companhias que recebem multas milionárias por condutas inadequadas de colaboradores em cargos de chefia. Além do prejuízo financeiro, as empresas são alvo de boicotes por parte dos consumidores. Ficou muito conhecido, por exemplo, o episódio dos casos de assédio moral e sexual praticados por um ex-presidente da Caixa Econômica Federal.

O banco teve que pagar R$ 10 milhões como parte de um acordo com o Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal (MPT-DF). Apesar das conquistas, ainda temos um longo caminho pela frente. A Justiça do Trabalho recebe, em média, 6,4 mil ações relacionadas a assédio moral no trabalho por mês. Ou seja, temos que continuar lutando para deixar para trás de vez a cultura opressora no ambiente de trabalho e, assim, fazer jus à bravura daquelas russas tecelãs.

Gracimeri Gaviorno é especialista em segurança pública. Foi chefe da Polícia Civil do ES.

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