O dia 13 de maio é marcado na história como o Dia da Abolição da Escravatura no Brasil. A data consagra a Princesa Isabel como a heroína branca responsável pela Lei Áurea, que em tese, concedia liberdade às pessoas negras escravizadas. Essa construção histórica ignora a luta travada pelos povos escravizados e reforça o intuito de apagamento da história de Zumbi dos Palmares, Dandara, Luís Gama e de outras pessoas negras que foram protagonistas da luta pela libertação. Os reflexos da escravidão perduram até os dias atuais. O racismo descendente do período, coloca negras e negros nas piores condições sociais, econômicas e de trabalho. Vergonhosamente, no país, ainda há registros de trabalho análogo à escravidão.

Por isso, o 13 de maio não é um dia de comemoração, mas de rememorar a história da abolição do povo preto que foi escravizado e que segue lutando por igualdade, por direito à voz e principalmente pelo direito à vida num país que a cada 12 minutos, uma pessoa negra é assassinada. A Lei Áurea, que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil, foi assinada em 13 de maio de 1888. A data, no entanto, não é comemorada pelo movimento negro. A razão é o tratamento dispensado aos que se tornaram ex-escravizados no país. Naquele tempo, faltou criar as condições para que a população negra pudesse ter um tipo de inserção mais digna na sociedade. Após o fim da escravidão, as classes dominantes não contribuíram para a inserção dos pretos no novo formato de trabalho.
A escritora Conceição Evaristo mal se lembra de ter referências masculinas ao seu redor em seus anos de formação, crescendo cercada de mulheres negras que trabalhavam como cozinheiras, lavadeiras e empregadas, profissões tão humildes como a casa pobre em que vivia com a mãe e os nove irmãos e irmãs na favela do Pendura Saia, em Belo Horizonte: “Foi com essas mulheres, que completaram a alfabetização junto com a nova geração de filhos e sobrinhos que chegava, que eu tive a minha formação, e aprendi a lição de fortaleza. Não a fortaleza folclórica que por vezes se atribui a “um povo negro que não sente dor, que está sempre a cantar, que tem uma alegria já por herança”, mas sim a fortaleza da resiliência “que nos agrega” e “que nos salva”.
“Acho que são 137 anos de uma abolição inconclusa. Inconclusa porque nós – a população pobre em geral, e mais ainda as mulheres negras – ainda não conquistamos uma cidadania plena no que diz respeito a habitação, emprego, condições de vida. A sociedade brasileira ainda tem essa dívida histórica para com a população negra, e mais ainda para com as mulheres negras. É preciso questionar as regras que me fizeram ser reconhecida apenas aos 71 anos”, diz a escritora Conceição Evaristo. As mulheres já enfrentam interdições por questões de gênero. No caso das negras, as interdições estão fundamentadas na questão de gênero e na questão de raça.
Para as mulheres negras, a conquista de determinados direitos e de determinados espaços é muito mais difícil.
“Até então, os brancos podiam dizer qualquer coisa a nosso respeito. Mas quando a gente se apropria do nosso discurso, da nossa história, isso é motivo de interdição. Eu diria para não perderem a perspectiva de luta. Para olhar para o passado e pensar nas mulheres quilombolas, nas mulheres que mesmo com a liberdade cerceada conseguiram deixar a semente de luta, de liberdade, para nós. É preciso construir o presente sem perder essa linha histórica. Sem perder o exemplo das mulheres que palmilharam o caminho para que hoje estejamos aqui”, conclui Evaristo.
Por Manoel Goes Neto – produtor cultural, escritor e diretor no IHGES