Dia desses li uma notícia espetacular: segundos dados colhidos por pesquisadores em 2015 apenas 10% da humanidade vivem em situação de extrema pobreza – o índice mais baixo jamais verificado ao longo da história.
Movido pelo mais puro otimismo fui à janela contemplar nosso mundo. Foi quando, diante do que meus olhos viram, passei a ter algumas dúvidas. A primeira delas: o que seria uma “situação de extrema pobreza”?
Após uma pequena pesquisa, descobri: trata-se de um cenário no qual uma pessoa vive (eu disse “vive”?) com apenas US$ 1,90 por dia. Quem ganhar US$ 1,91 já não está mais nesta situação – na pior das hipóteses é apenas “pobre”.
Com o espírito inquieto busquei apurar quem seria “pobre”. Cheguei a outro valor: US$ 5,50 por dia. Decidi fazer algumas contas, sob o pano de fundo da realidade brasileira. Constatei que, de acordo com este parâmetro, aqui quem ganha menos de US$ 165,00 por mês é “pobre” – por eliminação, quem ganha US$ 166,00 já não o é.
Fiquemos com este “não-pobre” que ganha US$ 166,00 por mês. Com este valor ele deverá morar, vestir-se e nutrir-se. Não incluo gastos com saúde, pois segundo a Constituição Cidadã trata-se de um direito, e daqueles sagrados.
Comecemos pelo que há de mais fundamental: a nutrição. Sem ela, morremos. Pois bem: apurei que o valor de uma cesta básica alcança uns US$ 142,00 em São Paulo (dados de setembro de 2024). Sobrariam US$ 24 para este “não-pobre” vestir-se e morar.
Sobre habitação, excluo a possibilidade de que ele vá residir sob alguma ponte – local, afinal, destinado apenas aos pobres e miseráveis. Descobri que há uns 30 anos alugava-se um barraco de madeira em nossas piores favelas pelo equivalente a US$ 10 – mas isto há mais de três décadas. Hoje o preço médio situa-se em torno de US$ 60. Ou seja, este “não-pobre” deverá arrumar alguém para dividir a despesa – e ainda assim faltarão US$ 6.
Haverá ainda a água e a luz. Conceda-se, porém, que venham de “gatos”. Sim, vá lá que seja! Afinal, que dignidade tem essa gente? Quanto às roupas, que as tomem emprestadas a algum defunto – e fiquem com o resto do dinheiro livre!
Quem é pobre, afinal? De riquezas, já não sei. Mas desconfio não ser este nosso maior drama. Está ele, suspeito, na pobreza, aliás, na miséria de espírito – os números que o digam!
Pedro Valls Feu Rosa é jornalista, escritor e desembargador no Espírito Santo