Criada para corrigir a desigualdade histórica de remuneração entre homens e mulheres, a chamada lei da igualdade salarial – sancionada pelo presidente Lula no ano passado – é o marco de uma nova tentativa de enfrentar esse problema histórico. Além de estabelecer obrigações, como a criação de canais para denúncias de discriminação salarial e o incentivo à capacitação de mulheres, a lei exige a apresentação de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios. Essa determinação de compartilhar dados, no entanto, pode trazer riscos para a preservação da privacidade, alerta o advogado especialista em Direito Digital e professor José Luis Bolzan. Bolzan preside o Cyber Leviathan, um observatório que estuda a revolução na internet e seus impactos nas instituições político-jurídicas.O professor alerta que o “respeito à privacidade” é um dos fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e que esse princípio estará em risco se as empresas não adotarem padrões rigorosos para protegê-lo, com a anonimização de dados. “A Lei 14611/23 impõe uma série de obrigações às empresas, as quais envolvem a manipulação de dados, inclusive sensíveis, como definidos pela LGPD. São desde informações sobre raça, etnia, nacionalidade e idade, a informações acerca da remuneração e ocupação de cargos na empresa.
Apesar da lei de igualdade salarial falar em ‘dados anonimizados’, resta em aberto como as empresas vão viabilizar essa proteção”, explica Bolzan. “Ou seja, de que forma a anonimização será assegurada, como exigido pela própria legislação em questão e a LGPD”, afirma o advogado e professor. A lei da igualdade salarial exige que empresas com 100 ou mais funcionários apresentem semestralmente os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios. Esses relatórios vão permitir ao Governo Federal realizar uma comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefias preenchidos por homens e mulheres.
A lei prevê, inclusive, multa para as empresas que não publicarem os relatórios. O primeiro deles, segundo Bolzan, deve ser apresentado em março. O advogado lembra que a igualdade salarial entre homens e mulheres já está prevista na Convenção 100 da OIT e na Constituição brasileira, além de ser um dos objetivos do milênio da ONU.
Bolzan alerta que, além da ferramenta disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego para que os relatórios sejam publicados, as companhias devem dar publicidade a eles. “O decreto que regulamenta a lei diz que os relatórios devem ser publicados no site das empresas, bem como em suas redes sociais ou em instrumentos similares. Portanto, essas informações terão ampla divulgação junto ao público em geral. Se, por um lado, a lei é um avanço no combate à conduta discriminatória contra as mulheres, por outro, pode abrir brechas para uma invasão de privacidade”, conclui o professor.