Saúde

Crise mundial de cuidados pode afetar mais de 2 bilhões de pessoas até 2030

A cada segundo, duas pessoas tornam-se oficialmente idosas no mundo. Em 2000, já havia mais indivíduos com 60 anos ou mais que crianças menores de 5 anos e, nesse ritmo, em 2050, pela primeira vez, haverá mais idosos que menores de 15 anos, segundo estudo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e da HelpAge International. O envelhecimento populacional é uma verdade que traz tanto celebração quanto desafio para os tempos atuais. Isso porque, em todo o mundo, mais de 46% dos idosos apresentam algum tipo de incapacitação, sendo cerca de 250 milhões casos moderados a graves. Ou seja, eles precisam de cuidados. De acordo com o último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), esse número deverá chegar a 2,3 bilhões em 2030 – há cinco anos, era de 2,1 bilhões. É aqui que os países se veem num conflito: quem vai cuidar dessa parcela significativa da população?

A Alemanha prevê cerca de 670 mil postos de cuidadores não preenchidos até 2050. A solução tem sido criar robôs para assumir tarefas realizadas hoje por enfermeiras, cuidadores e médicos. O setor já tem até nome: geriatrônica, que explora tecnologias de robótica, tecnologia da informação e 3D para geriatria, gerontologia e enfermagem.

Lívian Tononi, diretora da Azo Cuidados, plataforma capixaba de atendimento on-line que conecta quem precisa de cuidados ao profissional disponível mais próximo, explica que, historicamente, a família sempre foi a primeira opção no cuidado com os familiares vulneráveis – idosos, crianças e portadores de deficiência -, com as mulheres assumindo o protagonismo da função e exercendo-a de forma gratuita. “Entretanto, a presença cada vez mais constante delas no mercado de trabalho abriu uma lacuna e está mais difícil encontrar alguém para cuidar. O problema ganha amplitude ao esperar que essa responsabilidade seja exercida sem remuneração”, afirma.

Tal fato, aliado ao envelhecimento da população, tem gerado uma verdadeira crise no provimento de cuidados e levado o Poder Público e as instituições privadas a mudarem o olhar em relação às necessidades das populações vulneráveis: o cuidado deixou de ser uma questão apenas familiar e se tornou um nicho de mercado de trabalho e uma demanda social.

Esse foi, inclusive, o ponto de origem da Azo Cuidados. Em 2019, o avô de Lívian ficou internado por quatro meses após um acidente. Durante esse tempo, ela acompanhou a dificuldade de sua mãe para conciliar o acompanhamento no hospital e o trabalho que gera renda para a família. “Ela passou inúmeras noites sem dormir no hospital, tendo que ir direto para o trabalho, e meses sem um dia de descanso”, conta. Foram dezenas de ligações para amigos em busca de indicações de alguém de confiança para acompanhar o avô no hospital. Ao compartilhar essa angústia, a maioria delas se queixava da mesma dificuldade de reorganizar as suas vidas para cuidar dos familiares com necessidade, fato que acabava forçando-as a deixar suas vidas de lado para ficar com os entes.

Vendo-se como parte do problema, Lívian decidiu ser também parte da solução e desenvolveu uma ferramenta para proporcionar a mesma segurança no cuidado, com agilidade na contratação. Foi nesse momento que a Azo foi idealizada. “Somos uma plataforma que faz a intermediação entre o cliente com dificuldade de encontrar um cuidador e o profissional com dificuldade de encontrar o cliente. Desse modo, poupamos tempo e disposição do cliente na árdua tarefa de selecionar pessoas preparadas para os cuidados, principalmente quando parentes e amigos não podem estar presentes ou não possuem a qualificação necessária para o atendimento”, explica a diretora.

O cuidado como trabalho

Especialistas das áreas de economia, antropologia, psicologia e filosofia política e outras ciências sociais se debruçam sobre estudos nesse dilema há mais de 30 anos e chegam à mesma conclusão: o cuidado é um trabalho fundamental para assegurar o bem-estar de todos, uma vez que qualquer pessoa pode se tornar dependente em algum momento da vida, segundo um estudo conduzido pela Universidade de São Paulo (USP) e o Centro de Pesquisas Sociológicas e Políticas de Paris.

De acordo com a pesquisa, instituições públicas de longa permanência para pessoas com mais de 60 anos ainda são escassas e atendem menos de 1% da população nessa faixa etária num país onde 13% da população é considerada idosa, um percentual que tende a dobrar nas próximas décadas, conforme projeções do IBGE. É por isso que a mercantilização do cuidado tem sido a solução encontrada por muitas famílias.

“É um fato que o envelhecimento populacional apresenta desafios para os governos e a sociedade de modo geral, com o número e a proporção de pessoas idosas aumentando mais rapidamente que qualquer outra faixa etária. Entretanto, é fundamental assegurar que as pessoas envelheçam com dignidade e segurança, desfrutando da vida com todos os direitos humanos e liberdades fundamentais garantidos. Afinal, se para alguns setores, como o Estado, o envelhecimento pode ser visto como um desafio, para outros, como o mercado de trabalho e as relações familiares, ele, na verdade, é uma oportunidade”, conclui Lívian.

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