Recentemente em um evento de inauguração de mais um centro cultural na cidade de Vitória, dentre as atrações artísticas e literárias do evento, fomos brindados com uma belíssima apresentação de dança da cultura cigana. Realmente de uma beleza fascinante, mesclada com as declarações da artista relembrando e informando aos presentes a importância dessa etnia tão marginalizada e invibilisada no nosso país. Falamos muito da nossa ancestralidade indígena, dos nossos povos originários, do povo preto cruelmente retirados da nossa mãe África e aqui escravizados, são muitos os registros do colonizadores portugueses, espanhóis, e outras imigrantes das mais variadas origens que aqui vieram e ajudaram a construir o nosso Brasil.
Pouco ou quase nada temos de registros históricos dos povos ciganos, também de importância relevante para a nossa formação étnica e cultural. Culinária, música e festas típicas: estudos mostram influências dos povos ciganos na construção da cultura brasileira, apesar de sofrerem apagamento histórico. A história do povo cigano e rica e vasta, tentarei condensar aqui, nesse nosso espaço reduzido, um pouco das informações que temos para reflexão e conhecimento de vocês, caros leitores.
O Brasil é conhecido pela sua miscigenação e as influências de vários povos que migraram para o território nacional e ajudaram a construir o que hoje reconhecemos como identidade brasileira. Enquanto algumas referências culturais são exaltadas, outras sofrem apagamento, como é o caso da cultura cigana. Os primeiros registros de ciganos no Brasil são de 1574, quando o cigano João Torres, sua mulher e filhos foram degredados de Portugal para o Brasil. Em Minas Gerais, a presença cigana é notada a partir de 1718, vindos da Bahia, de onde chegaram deportados de Portugal.
“O cigano foi, dentro da história do Brasil, a solda que uniu as três peças de fundição da mestiçagem atual: negros, indígenas e imigrantes europeus. Até hoje, os povos ciganos e sua contribuição, seja na arte, cultura e no desenvolvimento do país, sequer são mencionados, sejam em campanhas públicas, na mídia ou em ambientes acadêmicos ou não, quem dirá visibilizado. Não incluímos as etnias ciganas em nossas narrativas e nem na história, seja dentre os povos que formaram e formam, trabalharam e desenvolveram o Brasil. Esse apagamento étnico proposital dificulta o acesso às políticas públicas e a formação de consciência de o povo cigano contribuiu e contribui em terras brasileiras” registra Moraes Filho.
“Há muitos pontos comuns entre os povos ciganos que nos ligam e nos levam esse nome de cigano como genérico. Assim como os povos indígenas são chamados de indígenas, um leque de etnias, os povos ciganos são da mesma forma”, explica Aluízio de Azevedo, cigano da etnia Calón, jornalista e pesquisador das comunidades ciganas. Aluízio explica que muito do que se acredita ser herança portuguesa é, na verdade, herança cigana Calón, que pode ser observada em diversos aspectos da sociedade nos dias de hoje. Atualmente existem no Brasil três grupos ciganos: os Rom, os Sinti e os Calón
Comidas muito tradicionais mineiras, como o feijão tropeiro, galinhada e as carnes secas, são típicas de culturas nômades. “A própria carne de porco, que é uma especialidade de todos os povos ciganos – não só dos ciganos Calón, aí eu amplio para todos em todos os lugares do mundo é uma grande especialidade. E a comida mineira tem na base dela a carne de porco em todas as formas”, conta Aluízio.
Todo esse passado aponta para a necessidade premente de formulação e execução de políticas públicas que reafirmem, protejam e concretizem os direitos humanos do povo cigano e, a exemplo das iniciativas já praticadas na União Europeia, posicionar o enfrentamento ao anticiganismo como um objetivo específico e premente na luta contra todas as formas de discriminação e ódio. O Estado brasileiro lhes deve esse reconhecimento. Recomendo a leitura do excelente livro pesquisa, história oral de vida: identidade e gênero Saga Cigana de Déborah Sather, Cousa Editora, em pré-venda.
Manoel Goes neto, escritor, produtor cultural e diretor no IHGES