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ARTIGO – O Verso no Centro da Roda

No alto do Morro do Gonçalves, bairro Jardim Íris, São João de Meriti – Rio de Janeiro – onde o sol se derramava sem cerimônia sobre os telhados, e os passos riscavam histórias nas escadarias e becos, havia um tempo em que felicidade era emprestada em canequinhas.

Pó de café, açúcar, farinha — não eram apenas mantimentos que se tomavam emprestados, eram símbolos de um pacto silencioso entre vizinhos que se entendiam pelo olhar e se pagavam com gratidão.

Metade do Morro do Gonsalves, era como uma grande família e todo mundo conhecia todo mundo. Claro, havia gente ruim, mas a grande maioria era gente trabalhadora, solidária e com grande senso comunitário.

À noite, depois do trabalho, do banho e do jantar ou ceia, os adultos se reuniam na rua, na porta de alguém, pra contar “causos”, enquanto nós, crianças, corríamos sem medo entre cercas e barrancos, reinventando brincadeiras como quem constrói mundos.

Era pique cola, pique bandeira”, “passar anel”, “garrafão”… e outros nomes mágicos que hoje foram esquecidos, mas nada se comparava à ‘Brincadeira de Roda’.

Era ali, todos de mãos dadas formando um círculo, girando sob o céu do meu Rio querido, que éramos convocados nominalmente um a um a entrar na roda, dizer um “verso bem bonito” antes de deixar o centro dela.

Eu dizia o meu verso e saía achando que aquilo era só brincadeira — não sabia que era a infância me ensinando a caber no mundo.

Hoje entendo: eu era feliz. Só não sabia que aquilo se chamava felicidade.

 

Por: Valdecir Val Neves

#valdecirvalneves

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