Aconteceu na tarde desta quarta-feira (25), no Palácio Anchieta, a abertura oficial da IV Semana Estadual de Políticas sobre Drogas do Espírito Santo, marcada pela conferência magna do médico oncologista, cientista e escritor Dr. Drauzio Varella. Diante de um auditório repleto, o médico fez uma defesa enfática de políticas públicas baseadas em educação, acolhimento e prevenção, em contraponto ao modelo repressivo historicamente adotado no país.
Durante sua fala, Varella foi direto ao criticar a chamada “guerra às drogas”. Para ele, a estratégia baseada em repressão e encarceramento fracassou, tanto no Brasil quanto em outros países. “O encarceramento em massa de jovens por porte de pequenas quantidades de drogas, como a maconha, não resultou em redução do uso nem do tráfico. Ao contrário: o Brasil hoje tem uma das maiores populações carcerárias do mundo e continua enfrentando altos índices de violência e consumo”, alertou.
Ao longo da palestra, Varella compartilhou episódios de sua trajetória profissional como médico voluntário em presídios, especialmente na extinta Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. Com base nessa vivência, relatou como as drogas afetam de forma cruel as populações mais vulneráveis, com destaque para os impactos das drogas injetáveis nos anos 1990 e, mais recentemente, do crack.
“O vício precisa ser entendido como uma doença. Quando você olha para uma pessoa que usa drogas e a julga como fraca, ignora o que é a dependência: uma condição que tira o controle da pessoa sobre si mesma. É uma doença, e precisa ser tratada como tal”, afirmou, arrancando aplausos da plateia.
Ele explicou ainda o funcionamento bioquímico das drogas no cérebro, enfatizando como o ciclo entre prazer e abstinência alimenta a dependência. “Algumas substâncias, como o cigarro, são ainda mais difíceis de largar do que drogas ilícitas como o crack”, acrescentou.
Outro ponto central da fala de Drauzio foi a importância da atuação conjunta de família, escola e poder público. “O papel da escola é essencial, mas a família vem primeiro. Precisamos conversar com nossos filhos desde cedo. E, quando um jovem entra no mundo das drogas, o acolhimento deve vir antes do julgamento”, pontuou.
Ele também alertou sobre o crescimento do uso de cigarros eletrônicos entre os jovens. “O vape é extremamente danoso. Contém doses de nicotina até dez vezes maiores que o cigarro tradicional, além de aromatizantes e substâncias desconhecidas. A dependência é real e grave.”
Questionado sobre a legalização de substâncias como a maconha, Drauzio foi cauteloso. “Como médico, posso oferecer dados. Mas quem decide é a sociedade. A maconha, por exemplo, já foi legalizada em alguns países. O que precisamos é aprender com essas experiências e entender que soluções simplistas não funcionam.”
Durante a solenidade de abertura, o governador Renato Casagrande destacou a importância do tema como uma responsabilidade coletiva. “Essa não é apenas uma pauta de governo, mas de todos nós, como cidadãos. Como pai e como governador, vejo o quanto o sofrimento causado pela dependência química atinge as famílias capixabas.”
Ele reforçou que o Espírito Santo tem buscado construir uma política pública sólida, com acolhimento estruturado. “A dependência não afeta apenas o indivíduo, mas toda a família. Por isso, o acolhimento precisa ser amplo, com orientação e apoio. Nossas redes de atendimento, entidades terapêuticas parceiras e a integração com os municípios são fundamentais para que o acolhimento se transforme em proteção”, afirmou.
Casagrande também destacou que manter o Estado organizado e financeiramente equilibrado é essencial para garantir investimentos contínuos na área. “Temos recebido reconhecimento nacional por nossas práticas de gestão pública, e nosso compromisso é seguir construindo uma relação de confiança e solidariedade com a população.”
O governador finalizou agradecendo a presença de Drauzio Varella, ressaltando que “momentos como este fortalecem o compromisso coletivo com a vida, o cuidado e a empatia”.
Já o subsecretário de Políticas sobre Drogas, Carlos Lopes, ressaltou que o evento “vai muito além de uma marca no calendário”, e representa o compromisso renovado com a escuta qualificada, o cuidado e a vida. Ele citou o médico e autor Gabor Maté: “O vício não é o problema, mas o sintoma de uma dor mais profunda”.
Lopes destacou o papel da Rede Abraço, criada em 2013 e reestruturada em 2019, como exemplo de política pública humanizada. “Temos articulado prevenção, cuidado, tratamento e reinserção social de forma integrada, com base em evidências científicas e diálogo com a sociedade.”
Segundo o subsecretário, mais de 22 mil pessoas já foram acolhidas nas unidades de Vitória, Vila Velha e Cachoeiro de Itapemirim. “É um programa de porta aberta, sem necessidade de encaminhamento. Desde 2021, mais de 700 pessoas passaram por processos de qualificação e reinserção.”
Ele também apresentou iniciativas como o Centro de Prevenção Comunitária, inaugurado em março no Território do Bem, e o fortalecimento do Observatório Capixaba de Informações sobre Drogas, reconhecido nacionalmente. “Defendemos que a Rede Abraço se torne uma política de Estado, garantindo sua continuidade como um legado à sociedade capixaba”, concluiu, agradecendo o apoio do governador Casagrande e do vice-governador Ricardo Ferraço.
Encerrando sua participação, Drauzio Varella reforçou que não há solução mágica para o problema das drogas, mas que existe um caminho possível: educação, saúde pública eficiente, empatia e tempo. “Se queremos proteger nossas crianças e jovens, precisamos unir sociedade, governo, escolas e famílias. Com informação, acolhimento e tempo. A pressa só atrapalha.”
A Semana Estadual de Políticas sobre Drogas continua até sexta-feira (27), com mesas-redondas, debates e apresentações de boas práticas no auditório do Sebrae, em Vitória. O evento é gratuito e aberto ao público.
Por: Luciene Costa