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ARTIGO – Sem a imagem de si você não nomeia a realidade

É de se supor que somente conseguindo uma auto-imagem em torno de um ano de idade, um Eu imaginário, é possível esse Eu dar o passo seguinte no sentido da nomeação da realidade.

A criança viveu o primeiro ano de vida vendo imagens de pessoas e coisas no ambiente, e ouvindo vozes, sem nunca, porém, pronunciar uma palavra nomeando aquelas imagens com as vozes que escutou.

A nomeação “mãe”, geralmente a primeira, por ser alguém que amamentou, surgirá no final de um ano, quando a criança conseguir seu Eu imaginário, que nomeia seu corpo, muito embora, nesse momento, não atribua ao seu corpo esse nome.

Freud, no artigo sobre o Narcisismo (1914), escreveu:

“É uma suposição necessária, a de que uma unidade comparável ao Eu não existe desde o começo no indivíduo; o Eu tem que ser desenvolvido. Mas os instintos autoeróticos são primordiais; então deve haver algo que se acrescenta ao autoerotismo, uma nova ação psíquica, para que se forme o narcisismo”

Freud não informa a idade dessa “nova ação psíquica” para que a criança conquiste o que “não existe desde o começo”, seu Eu como uma unidade, assim como não informa a qual Narcisismo se refere.

Significa dizer que essa “nova ação psíquica” tanto pode ser a necessária para a conquista da autoimagem, no primeiro ano de vida, como também o ato que conquista seu Eu na linguagem.

Em três seminários (2, 6 e 11), Lacan comenta o teste de inteligência, de Binet, aplicado a uma criança por volta de três anos, quando ela diz “tenho três irmãos, Paulo, Ernesto e Eu”.

Adquiriu o domínio da linguagem, porém, aos três anos, ainda permanece no mundo imaginário, da fantasia, do faz de conta, com a mão ela move um carrinho voando pelo ar, se veste de Batman, quase que acredita que as palavras sejam reais, porém, tem discernimento, pois é raro que pule da janela vestida de super-homem. Perde, porém, o discernimento quando perguntada “quantos irmãos você tem?”, e ela se conta entre os irmãos, e não diz “Eu tenho dois irmãos, Paulo e Ernesto”.

Esse novo Eu, que se separa do conjunto dos humanos, seria o segundo Eu, do Narcisismo secundário, o Eu na linguagem, quando tem o discernimento. O Narcisismo secundário difere do primário, puramente imaginário, necessário, porém, para disparar o início das nomeações.

Um experimento mostra um menininho procurando por si mesmo correndo para a frente e para atrás do espelho[1] em sua curiosidade por associar a imagem ao corpo, de imediato não a encontra, mas permanece procurando até encontrar-se, condição necessária para sair do autismo.

É de se supor que a criança que permanece no estado de autismo sem linguagem, ou não desenvolveu essa curiosidade ou a teve em algum momento, e perdeu-a, afirmação que pode ser feita pois não se observa um autista não-verbal procurando por si mesmo, por sua imagem no espelho. Parece que desistiu de procurar-se.

Em outro experimento, um menino que nunca falou uma palavra sequer, seguidamente apresentado no espelho com o rosto pintado, mostrou que uma coisa ao menos ele sabia: que seu rosto não tinha aquela marca. A partir daí, desenvolveu interesse por sua imagem, olhava-se no espelho, e pela primeira vez, aos 8 anos, pronunciou a palavra “pai”. A conquista da autoimagem abriu caminho para a nomeação.

Adelmo Marcos Rossi, empreendedor como engenheiro, psicólogo, filósofo e escritor, coordena o Grupo de Pesquisa do Narcisismo publicou “A Cruel Filosofia do Narcisismo” (2021) e “O Imortal Machado de Assis – Autor de si mesmo” (2024) acha-se envolvido na pesquisa do nascimento do Eu imaginário nos primórdios da formação da criança.

[1] https://m.youtube.com/shorts/PWr_LdtAZv4.

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